Ao final de sua 53.ª Assembléia Geral, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil lançou nota onde denuncia o risco à ordem democrática vigente desde a Constituição Cidadã de 1988 e insta os três poderes a trabalharem em espírito de diálogo para a promoção do bem comum.
Os principais aspectos abordados pelos bispos:
- Obras na Amazônia afrontam a população, por não ouvi-la, e por favorecer o desmatamento e a degradação ambiental.
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A lei da terceirização “não pode, em hipótese alguma, restringir os direitos dos trabalhadores. É inadmissível que a preservação dos direitos sociais venha a ser sacrificada para justificar a superação da crise.”
- A corrupção é pecado grave que brada aos céus, e está presente tanto no Estado quanto na sociedade civil. Punir corruptos e corruptores é dever do Estado. Deve-se recuperar cultura que prime pelos valores da honestidade e retidão.
- A credibilidade política não pode ser recuperada com aprovação de leis que retirem direitos dos mais vulneráveis. Lamentam que no Congresso se formem bancadas que se opõem aos direitos e conquistas sociais dos mais pobres.
- A Igreja no Brasil se opõe à proposta de emenda à Constituição 215/2000, que torna atribuição do Congresso Nacional a demarcação de terras indígenas e a ratificação das já existentes (hoje a competência é do governo federal).
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A redução da maioridade penal “não é solução para a violência que grassa no Brasil e reforça a política de encarceramento num país que já tem a quarta população carcerária do mundo. Investir em educação de qualidade e em políticas públicas para a juventude e para a família é meio eficaz para preservar os adolescentes da delinquência e da violência.” O erro da aprovação da PEC 171/1993 na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados (CCJC) “é um equívoco que precisa ser desfeito”.
- Em vez de reduzir a maioridade penal, o caminho é aplicar corretamente as sanções e as políticas públicas preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). É preciso criar mecanismos para responsabilizar os gestores públicos que não aplicarem o ECA.
- O Estatuto do Desarmamento deve ser preservado, a sensação de segurança conferida pelas armas é ilusão. O interesse econômico da indústria de armas não pode ser alimentado à custa de vidas humanas.
- A Reforma Política Democrática, subscrita pela CNBB, é caminho para resolver muitos desses problemas.
Vê-se, portanto, ênfase na proteção dos direitos dos menos favorecidos e a oposição à ampliação da terceirização. Os direitos dos indígenas e a promoção da ética são pontos diretamente abordados pelo documento. A redução da maioridade penal, já aprovada pela CCJC, “é um equívoco que precisa ser desfeito”, o caminho é aplicar corretamente o Estatuto da Criança e do Adolescente. O Estatuto do Desarmamento deve ser preservado, e a reforma política é caminho para solucionar muitos dos problemas vividos pelo Brasil.
Leia na íntegra o que disseram os bispos:
“Entre vós não deve ser assim” (Mc 10,43).
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, reunida em sua 53ª Assembleia Geral, em Aparecida-SP, no período de 15 a 24 de abril de 2015, avaliou, com apreensão, a realidade brasileira, marcada pela profunda e prolongada crise que ameaça as conquistas, a partir da Constituição Cidadã de 1988, e coloca em risco a ordem democrática do País. Desta avaliação nasce nossa palavra de pastores convictos de que “ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião para a intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos” (EG, 183).
O momento não é de acirrar ânimos, nem de assumir posições revanchistas ou de ódio que desconsiderem a política como defesa e promoção do bem comum. Os três poderes da República, com a autonomia que lhes é própria, têm o dever irrenunciável do diálogo aberto, franco, verdadeiro, na busca de uma solução que devolva aos brasileiros a certeza de superação da crise.
A retomada de crescimento do País, uma das condições para vencer a crise, precisa ser feita sem trazer prejuízo à população, aos trabalhadores e, principalmente, aos mais pobres. Projetos, como os que são implantados na Amazônia, afrontam sua população, por não ouvi-la e por favorecer o desmatamento e a degradação do meio ambiente.
A lei que permite a terceirização do trabalho, em tramitação no Congresso Nacional, não pode, em hipótese alguma, restringir os direitos dos trabalhadores. É inadmissível que a preservação dos direitos sociais venha a ser sacrificada para justificar a superação da crise.
A corrupção, praga da sociedade e pecado grave que brada aos céus (cf. Papa Francisco – O Rosto da Misericórdia, n. 19), está presente tanto em órgãos públicos quanto em instituições da sociedade. Combatê-la, de modo eficaz, com a consequente punição de corrompidos e corruptores, é dever do Estado. É imperativo recuperar uma cultura que prima pelos valores da honestidade e da retidão. Só assim se restaurará a justiça e se plantará, novamente, no coração do povo, a esperança de novos tempos, calcados na ética.
A credibilidade política, perdida por causa da corrupção e da prática interesseira com que grande parte dos políticos exerce seu mandato, não pode ser recuperada ao preço da aprovação de leis que retiram direitos dos mais vulneráveis. Lamentamos que no Congresso se formem bancadas que reforcem o corporativismo para defender interesses de segmentos que se opõem aos direitos e conquistas sociais já adquiridos pelos mais pobres.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/2000, por exemplo, é uma afronta à luta histórica dos povos indígenas que até hoje não receberam reparação das injustiças que sofreram desde a colonização do Brasil. Se o prazo estabelecido pela Constituição de 1988 tivesse sido cumprido pelo Governo Federal, todas as terras indígenas já teriam sido reconhecidas, demarcadas e homologadas. E, assim, não estaríamos assistindo aos constantes conflitos e mortes de indígenas.
A PEC 171/1993, que propõe a redução da maioridade penal para 16 anos, já aprovada pela Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça da Câmara, também é um equívoco que precisa ser desfeito. A redução da maioridade penal não é solução para a violência que grassa no Brasil e reforça a política de encarceramento num país que já tem a quarta população carcerária do mundo. Investir em educação de qualidade e em políticas públicas para a juventude e para a família é meio eficaz para preservar os adolescentes da delinquência e da violência.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, em vigor há 25 anos, responsabiliza o adolescente, a partir dos 12 anos, por qualquer ato contra a lei, aplicando-lhe as medidas socioeducativas. Não procede, portanto, a alegada impunidade para adolescentes infratores. Onde essas medidas são corretamente aplicadas, o índice de reincidência do adolescente infrator é muito baixo. Ao invés de aprovarem a redução da maioridade penal, os parlamentares deveriam criar mecanismos que responsabilizem os gestores por não aparelharem seu governo para a correta aplicação das medidas socioeducativas.
O Projeto de Lei 3722/2012, que altera o Estatuto do Desarmamento, é outra matéria que vai na contramão da segurança e do combate à violência. A arma dá a falsa sensação de segurança e de proteção. Não podemos cair na ilusão de que, facilitando o acesso da população à posse de armas, combateremos a violência. A indústria das armas está a serviço de um vigoroso poder econômico que não pode ser alimentado à custa da vida das pessoas. Dizer não a esse poder econômico é dever ético dos responsáveis pela preservação do Estatuto do Desarmamento.
Muitas destas e de outras matérias que incidem diretamente na vida do povo têm, entre seus caminhos de solução, uma Reforma Política que atinja as entranhas do sistema político brasileiro. Apartidária, a proposta da Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas, da qual a CNBB é signatária, se coloca nessa direção.
Urge, além disso, resgatar a ética pública que diz respeito “à responsabilização do cidadão, dos grupos ou instituições da sociedade pelo bem comum” (CNBB – Doc. 50, n. 129). Para tanto, “como pastores, reafirmamos ‘Cristo, medida de nossa conduta moral’ e sentido pleno de nossa vida” (Doc. 50 da CNBB, Anexo – p. 30).
Que o povo brasileiro, neste Ano da Paz e sob a proteção de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, supere esse momento difícil e persevere no caminho da justiça e da paz.
Aparecida, 21 de abril de 2015.
Cardeal Raymundo Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida
Presidente da CNBBDom José Belisário da Silva, OFM
Arcebispo de São Luís do Maranhão
Vice Presidente da CNBBDom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB
(Foto em destaque: Coletiva de imprensa no início dos trabalhos da 53.ª Assembléia Geral da CNBB — da própria CNBB)
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