CNBB pede paz e governabilidade

Sim, milhões de pessoas foram ontem às ruas, com muitas e variadas reivindicações, a favor e contra o governo. Algumas parcelas da população estão mais mobilizadas, outras, menos. Algumas tocam músicas militares e hostilizam todo e qualquer político, outras defendem determinadas soluções para a crise. Mas, o momento não é de acirrar os ânimos e propagar o ódio, e sim de procurar uma saída que contemple, acima de qualquer interesse partidário, as necessidades dos mais pobres, e que se construa com diálogo em busca do desenvolvimento, da justiça e da paz social. Essa é a tônica da nota divulgada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil no último dia 10. Muito similar a outra, de dezembro.

Infelizmente, parece que mesmo muitos católicos não têm ouvido aqueles que Deus constituiu para governar a Igreja, guardar o depósito da fé e conduzir o povo fiel. Os relatos são de que a manifestação contra o governo em Brasília começou com uma oração e prosseguiu com músicas militares e coreografias — parecendo até um “fascismo do século XXI”, pois eram os fascistas que buscavam angariar apoio com tais demonstrações massivas militaristas e organizadas. Já em São Paulo, a polícia militar compareceu para “averiguar” uma assembléia de trabalhadores a favor de Lula e do governo federal em São Bernardo do Campo. Esses foram apenas alguns dos preocupantes episódios que têm ocorrido em todo o país.

Isso tudo acontece como resultado de uma paulatina escalada da tensão política, através de processos judiciais e midiáticos. Seu atual momento começou com uma entrevista do promotor público Cassio Conserino à revista Veja, em janeiro (na qual antecipou que denunciaria Lula, antes mesmo de ouvir a defesa). Depois, o impasse quanto ao depoimento que esse mesmo promotor tentou obrigar Lula a prestar, no que foi impedido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Em seguida, um contestabilíssima condução coercitiva de Lula pela Polícia Federal, a mando do juiz Sérgio Moro — que conduz de maneira igualmente contestável os inquéritos da operação Lava Jato. Essa condução coercitiva teve como pretexto evitar a violência política, mas foi justamente esse o resultado dela. Parece que as próprias manifestações contra o governo são parte de uma tentativa de influenciar a composição do comissão do processo de impeachment, cuja eleição foi programada justamente para a próxima quinta-feira.

Importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça. (CNBB)

Pobre o país que não ouve seus bispos!

Eis a íntegra da nota da CNBB:

NOTA DA CNBB SOBRE O MOMENTO ATUAL DO BRASIL

“O fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que promovem a paz” (Tg 3,18)

Nós, bispos do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil–CNBB, reunidos em Brasília-DF, nos dias 8 a 10 de março de 2016, manifestamos preocupações diante do grave momento pelo qual passa o país e, por isso, queremos dizer uma palavra de discernimento. Como afirma o Papa Francisco, “ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião a uma intimidade secreta das pessoas, sem qualquer influência na vida social e nacional, sem nos preocupar com a saúde das instituições da sociedade civil, sem nos pronunciar sobre os acontecimentos que interessam aos cidadãos” (EG, 183).

Vivemos uma profunda crise política, econômica e institucional que tem como pano de fundo a ausência de referenciais éticos e morais, pilares para a vida e organização de toda a sociedade. A busca de respostas pede discernimento, com serenidade e responsabilidade. Importante se faz reafirmar que qualquer solução que atenda à lógica do mercado e aos interesses partidários antes que às necessidades do povo, especialmente dos mais pobres, nega a ética e se desvia do caminho da justiça.

A superação da crise passa pela recusa sistemática de toda e qualquer corrupção, pelo incremento do desenvolvimento sustentável e pelo diálogo que resulte num compromisso entre os responsáveis pela administração dos poderes do Estado e a sociedade. É inadmissível alimentar a crise econômica com a atual crise política. O Congresso Nacional e os partidos políticos têm o dever ético de favorecer e fortificar a governabilidade.

As suspeitas de corrupção devem ser rigorosamente apuradas e julgadas pelas instâncias competentes. Isso garante a transparência e retoma o clima de credibilidade nacional. Reconhecemos a importância das investigações e seus desdobramentos. Também as instituições formadoras de opinião da sociedade têm papel importante na retomada do desenvolvimento, da justiça e da paz social.

O momento atual não é de acirrar ânimos. A situação exige o exercício do diálogo à exaustão. As manifestações populares são um direito democrático que deve ser assegurado a todos pelo Estado. Devem ser pacíficas, com o respeito às pessoas e instituições. É fundamental garantir o Estado democrático de direito.

Conclamamos a todos que zelem pela paz em suas atividades e em seus pronunciamentos. Cada pessoa é convocada a buscar soluções para as dificuldades que enfrentamos. Somos chamados ao diálogo para construir um país justo e fraterno.

Inspirem-nos, nesta hora, as palavras do Apóstolo Paulo: “trabalhai no vosso aperfeiçoamento, encorajai-vos, tende o mesmo sentir e pensar, vivei em paz, e o Deus do amor e da paz estará convosco” (2 Cor 13,11).

Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil, continue intercedendo pela nossa nação!

Brasília, 10 de março de 2016.

Dom Sergio da Rocha                              Dom Murilo S. R. Krieger

    Arcebispo de Brasília-DF                     Arcebispo de S. Salvador da Bahia-BA

   Presidente da CNBB                         Vice-Presidente da CNBB

      Dom Leonardo Ulrich Steiner

         Bispo Auxiliar de Brasília-DF

          Secretário-Geral da CNBB


Comentários

7 respostas para “CNBB pede paz e governabilidade”

  1. […] (Publicado originalmente em Caritas in Veritate) […]

    1. Avatar de Priscila Gurgel
      Priscila Gurgel

      Ser católico não é ser pacifista! Esse texto é uma vergonha para a história da igreja!

      1. Ser católico é se preocupar com o bem de nosso próximo. É estar acima de paixões partidárias para promover o bem comum. Um país conflagrado, como o que se está tentando criar, é o pior que podemos deixar para as gerações futuras. Não temo por mim, que sou pecador e mereço a aflição. Mas por todas as crianças inocentes que poderão ser obrigadas a conviver com um mundo sombrio e violento.

        A violência política está nas raízes do fascismo. Já imagino o dia em que o Brasil verá sua “noite dos cristais”. Não existe bem algum na beligerância. Deus tenha misericórdia de nós!

      2. Ficai alerta, à cintura cingidos com a verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça, e os pés calçados de prontidão para anunciar o Evangelho da paz.
        Intensificai as vossas invocações e súplicas. Orai em toda circunstância, pelo Espírito, no qual perseverai em intensa vigília de súplica por todos os cristãos. (Ef 6,14-15.18)

  2. Avatar de Pedro Mandica
    Pedro Mandica

    Obrigado pelo convite!
    Para que haja uma paz duradora tem que a tolenrancia no sentido geral . Não podemos ser iguais, é o motivo desta tolerancia referida também devemos sempre prevalecer a dialgo para poderem encontrar soluções no nosso dia-à-dia e todos locais onde encontramos.
    Sou duma terra que é a Guiné-Bissau semelhante neste momento a Brasil apesar que há diferentes comportamentos e exigencias mas comum em termo politico.
    Tudo tem a ver com a interesse pessoais.
    O Deus está sempre conosco e nunca nos abandonou. somos nós que lhe abandona…

    Prions le seigneur!

    1. Impressionante como, mesmo com o exemplo de diálogo promovido diuturnamente pelo papa Francisco, tantos fazem ouvidos moucos às palavras e ações do Santo Padre quando lhes convém. Rezemos, pois é o melhor que podemos fazer!

  3. […] Nacional dos Bispos do Brasil já emitiu várias notas pedindo paz e governabilidade para o país, a mais recente publicada aqui no Caritas in Veritate. Mas, muitos insistem em não compreender, como se vê pelos comentários. Confira, então, as […]

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