Quando se fala em diálogo, pressupõe-se a existência de duas partes, muitas vezes discordantes. É o caso do possível diálogo marxismo-cristianismo – há diferenças fundamentais entre um e outro, especialmente quando pensamos no “marxismo como era concebido“, o qual será sempre uma referência quando nos dispusermos a analisar as possibilidades de alteração nessa relação.
O marxismo, porém, já atravessou muitas mudanças, inclusive para poder explicar a sociedade como se propõe. A primeira grande mudança foi o desenvolvimento do conceito de “imperialismo” por Vladímir Ílitch Lênin, na época da I Guerra Mundial. Depois, vemos a adoção, em diferentes países, de diferentes táticas revolucionárias, da mera tomada de poder (seguida da resistência ferrenha dos antigos poderosos e da intromissão das potências que haviam lutado na I Guerra), como na Rússia, à guerra popular prolongada chinesa e o foquismo de raiz cubana. Todas essas vertentes disputaram ferrenhamente a primazia entre os marxistas como “caminho único” para o socialismo. Com a crise do socialismo a partir da queda dos regimes do leste europeu, esse cenário se alterou profundamente, a ponto de o chamado “marxismo do século XXI” ser necessariamente vinculado às realidades nacionais, seja no Brasil, na Venezuela ou em outros países em que esse termo foi adotado.
São essas mudanças que me animam à possibilidade de dialogar, como sugerido pelo papa Bento XVI em sua viagem a Cuba. Lá mesmo encontramos diversas mudanças, como um Estado que deixou de ser oficialmente ateu e mantém boas relações com a Igreja Católica. Na China, país com muitos problemas históricos relativos ao que – sobretudo no período maoista – era visto como de origem externa, temos relações com o Vaticano que ora avançam, ora regridem, mas que, numa perspectiva de longo prazo, têm melhorado. Tudo isso aponta para um afrouxamento do antigo ateísmo.
Aqui no Brasil, o PCdoB – partido que já em 1945 defendia a liberdade religiosa – coloca em sua ficha de filiação a opção de o futuro militante declarar que atua em “movimento religioso”, considerado uma expressão da sociedade.
Vejo isso tudo com otimismo. Sei que há muitas resistências a mudanças no marxismo, especialmente da parte dos pequenos grupos sectários. Sei também que há muita negatividade de ambos os lados em relação a esse diálogo. E sei, por fim, que há ainda muitos ateus militantes entre os marxistas. Contudo, uma das qualidades do método marxista é a sua historicidade, e posso tranqüilamente dizer que também a doutrina social da Igreja partilha do conhecimento da historicidade das coisas de que trata. Ou seja, há de ambos os lados o reconhecimento de que a humanidade não é estática, fadada a permanecer sempre nos velhos antagonismos. E a crise do socialismo abriu o espaço necessário às mudanças de que o marxismo tanto necessita, especialmente a abertura à transcendência do homem, raiz de seus problemas.
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