Ministério do Planejamento esclarece decretos sem número

Decretos não numerados são comuns na legislação brasileira, e há uma lista infindável disponível ao público, desde 1991 até hoje. Segundo o site do Palácio do Planalto, esses decretos, “editados pelo Presidente da República, possuem objeto concreto, específico e sem caráter normativo. Os temas mais comuns são a abertura de créditos, a declaração de utilidade pública para fins de desapropriação, a concessão de serviços públicos e a criação de grupos de trabalho.” Isso pode ser facilmente conferido nos decretos de 2015, por exemplo. No entanto, a oposição vem sustentando o argumento de que alguns desses decretos feririam a lei orçamentária e, portanto, seriam razões suficientes para o impedimento de Dilma Rousseff. Para esclarecer esse assunto, o Ministério do Planejamento divulgou a nota a respeito da edição desses decretos (v. abaixo).

Opinião de Visão Católica

É importante conhecer o argumento do governo federal antes de tomar posição quanto ao possível impeachment da presidente da República. A edição de decretos não numerados é perfeitamente normal na legislação brasileira, e um dos seus usos é a abertura de créditos extraordinários. O que se poderia questionar seria a adequação desses créditos às leis orçamentárias, e, ao que parece, os decretos contestados atendem tanto à Lei de Diretrizes Orçamentárias quanto à Lei Orçamentária Anual — é o que argumenta, com fundamentos, o Ministério do Planejamento.

Sobre as chamadas “pedaladas fiscais”, isto é, o atraso de pagamentos a bancos públicos, que o TCU considerou ilegal, ainda cabe ao Congresso Nacional julgar se são motivo para reprovação das contas, o que somente acarretaria a ineligibilidade da presidente em novas eleições, mas não a perda do mandato — e mesmo isso pode ser contestado, pois dificilmente se enquadra nos artigos 36 e 37 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que vedam a entes públicos a tomada de empréstimos de bancos que controlem.

Por fim, os demais argumentos do pedido de impeachment não foram aceitos nem sequer por Eduardo Cunha, com todas as suas motivações, tão comentadas nas últimas semanas, para se vingar do PT e do governo petista. Enquanto não se encontrar um ato de Dilma Rousseff que atente contra a probidade da administração pública, a independência dos poderes públicos, a existência da União, a segurança interna do país, o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais, o cumprimento das leis e decisões judiciais, ou então a lei orçamentária, não estará configurado o crime de responsabilidade que a Constituição Federal exige para o impeachment. Nem mesmo a omissão poderia justificar o impedimento da presidente da República — e essa parece não existir, haja vista o empenho da Polícia Federal em operações como a Lava Jato. Se desejamos viver em um país democrático (e a democracia é preferível à ditadura — v. Compêndio da Doutrina Social da Igreja), isso deve ser respeitado.

Para a CNBB, “há no contexto [do processo de impeachment] motivação de ordem estritamente embasada no exercício da política voltada para interesses contrários ao bem comum”, pelo que manifesta apreensão e considera o possível impedimento de Dilma Rousseff uma ameaça à democracia.

Confira a nota do Ministério do Planejamento:

Esclarecimentos Sobre Edição de Decretos de Suplementação Orçamentária

Um dos fatores apontados no pedido de impeachment da Presidenta da República é a edição, em 2015, de seis decretos de suplementação orçamentária que supostamente não teriam base legal e a consequente execução de despesas que não teriam autorização do Congresso Nacional.

O questionamento não é feito sobre o valor total dos decretos, mas apenas sobre a parte que se refere à utilização de excesso de arrecadação de receitas próprias ou de superávit financeiro de anos anteriores como fonte de recursos. Alega-se que o uso dessas fontes seria incompatível com o alcance da meta fiscal.

O valor total dos decretos é de R$ 95 bilhões, dos quais, apenas R$ 2,5 bilhões referem-se às fontes mencionadas. O valor restante foi compensado com o cancelamento parcial de outras dotações como apresentado na tabela 1.

Desses R$ 2,5 bilhões correspondentes a excesso de arrecadação ou superávit financeiro, R$ 708 milhões referem-se a despesas financeiras que por definição não entram no cálculo do resultado primário, como detalhado na tabela 2.

As alegações feitas no pedido de impeachment não se sustentam por dois motivos básicos: os decretos mencionados estão de acordo com a legislação em vigor e, por si sós, não aumentaram a despesa da União.

Por que os Decretos estão de Acordo com a Lei?

A autorização para abertura de créditos suplementares por Decreto consta do art. 4º da Lei Orçamentária Anual de 2015 (LOA 2015), que define a possibilidade em diversas situações. São 29 incisos que tratam de autorizações específicas, muitas delas para garantir a agilidade na adaptação do orçamento em determinadas situações. Este mesmo artigo da LOA 2015 define que as fontes possíveis para abertura de crédito são:  

a) anulação parcial de dotações, limitada a 20% (vinte por cento) do valor do subtítulo objeto da anulação; 

b) reserva de contingência, inclusive à conta de recursos próprios e vinculados, observado o disposto no art. 5o, inciso III, da LRF; 

c) excesso de arrecadação de receitas próprias, nos termos do art. 43, §§ 1o, inciso II, 3o e 4o, da Lei no  4.320, de 17 de março de 1964; 

d) excesso de arrecadação de receitas do Tesouro Nacional; e 

e) superávit financeiro apurado no balanço patrimonial do exercício de 2014, nos termos do art. 43, §§ 1o, inciso I, e 2o, da Lei no  4.320, de 1964; 

Portanto, não há como questionar que poderiam ser editados decretos de suplementação e que estes decretos poderiam ter como fontes de recursos o excesso de arrecadação de receitas próprias ou superávit financeiro de anos anteriores.

Por que os Decretos não aumentam a despesa discricionária da União?

Sobre a adequação dos decretos de suplementação orçamentária ao cumprimento da meta fiscal, é importante separar claramente a gestão fiscal da gestão orçamentária.

Os Decretos de Crédito Suplementar são objetos da Gestão Orçamentária, enquanto o cumprimento da meta diz respeito à Gestão Fiscal.

Sobre a gestão fiscal, a Lei de Responsabilidade Fiscal é clara:

Art. 9o Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários, nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.”

Essa limitação de empenho e movimentação financeira é o que popularmente se chama de contingenciamento. Ou seja, a cada ano, o Governo limita, por meio de Decreto específico e numerado, o total de despesas que podem efetivamente ser executadas por cada órgão. Assim, para executar uma despesa, não basta que o órgão tenha dotação orçamentária, ele também precisa de limite de execução financeira.

Os decretos que estão sendo questionados são decorrentes da gestão orçamentária e não aumentaram o limite de execução para nenhum órgão definido no decreto de contingenciamento. Portanto, eles não ampliaram o total de despesas que podiam ser executadas. Em realidade, eles apenas possibilitaram que os órgãos remanejassem recursos internamente, de forma a melhorar a qualidade do gasto.

Assim, não cabe falar que houve comprometimento da meta fiscal por esses decretos. No período imediatamente anterior a esses decretos, ao contrário do que se acusa, o Governo cortou ainda mais seus gastos discricionários em R$ 8,6 bilhões, aumentando o contingenciamento total de 2015 para R$ 79,8 bilhões, o maior contingenciamento já realizado desde o início da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Esclarecimentos adicionais

Porque os decretos são não-numerados

Os decretos mencionados no pedido de impeachment não possuem numeração por que não possuem caráter normativo. Mais especificamente, segundo o Decreto 4.176/2002, editado pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso, somente os decretos de caráter normativo deverão ser numerados. Os demais tipos de decreto, como aberturas de créditos e provimento e vacância de cargos, são identificados pelo seu tema e data de publicação. Esses Decretos são publicados no diário oficial e estão disponíveis “Portal da Legislação do Governo Federal”: http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/decretos-nao-numerados1#content

Esforço Fiscal de 2015

Ao longo de 2015, o governo federal vem adotando uma série de medidas de ajuste fiscal, cujo valor total estimado atinge R$ 134 bilhões (2,3% do PIB). Houve medidas de redução de despesas e aumento ou recuperação de receitas. O esforço de redução de despesas atingiu R$ 82,7 bilhões (1,4% do PIB) e responde por 61,7% do esforço fiscal programado para este ano, como detalhado na tabela 3.


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